Mulher e seringueira, o vídeo
Por Maria Luzia Ferreira Santos (Mallu Ferreira)
Durante minha caminhada na graduação do Curso de Geografia, realizado na Fundação Universidade Federal de Rondônia - UNIR, participei de pesquisas de campo, que culminaram com amplo material historiográfico sobre as Mulheres que trabalham nos seringais de Rondônia. Naquele período (1994-1997), se apresentou como pesquisa inédita, o que me possibilitou desenvolvê-la com bolsa oportunizada pelo Conselho Nacional de Pesquisa e Tecnologia (CNPq).
Posteriormente dentro da Universidade, e abrangendo diversas campos de estudo, o tema abordado, estimulou pesquisas voltadas para a linha de gênero e trabalho na Amazônia. Portanto, essa pesquisa terminou por consolidar minha formação acadêmica e enriquecer e moldar minha atuação profissional. Contudo, sentia que este trabalho deveria extrapolar os muros da Universidade, não deveria permanecer em um livro estampado nas estantes de uma biblioteca. Precisava ser mais amplamente divulgado entre as pessoas, de modo que as mesmas pudessem até se reconhecer como sujeitos participantes dessa história, que permanecia invisível e desconhecida aos olhares de muitos.
O víeis patriarcal e fortemente coronelista habitou os seringais por muito tempo, na ocorrência do Primeiro Ciclo (1870 a 1912) e Segundo Ciclo da Borracha (1941-1945) e o trabalho da mulher permaneceu oculto. O que se sabia, então, eram que haviam homens fortes e desbravadores da grande floresta amazônica. Era dada aos homens toda a credibilidade no trabalho de extração e fabricação da borracha. Mas o seringueiro tinha família, mulher, filhos e estes participam dessas atividades; todavia os registros históricos e literários não os incluem nesta saga. A mulher aparecia timidamente em alguns trechos e relatos de autores e até alguns romancistas, como Arthur César Ferreira Reis, Amizael Gomes da Silva, que a descreviam como elemento frágil, submetida as vontades sexuais do homem isolado na floresta.
Durante a realização da pesquisa havia uma inquietação constante, uma vez que, habitava em mim, quase que um senso de justiça, era preciso desvelar e mostrar que a história estava equivocada. Era preciso corrigir esse fato e mostrar que as mulheres estiveram nos seringais, exercendo diversos trabalhos, estavam ao lado de seus maridos, companheiros e amantes, eram mais que corpos e braços fortes, que cotidianamente exerciam atividades importantes e indispensáveis a produção da borracha.
Neste processo, e acompanhando minhas angústias e sofrimentos, estava um grande parceiro, companheiro e o amor da minha vida. Foi por meio dele que pudemos conceber juntos a ideia de materializar o vídeo que divulgasse a história das Mulheres Seringueiras. Em 1997, Alejandro Ulises Bedotti cria o roteiro, baseado em minha pesquisa, e produz um trabalho genuíno que conta a saga dessas mulheres. Empenhados em realizar este trabalho, encampamos, em seguida, uma árdua tarefa de viajar inúmeras vezes, entrevistar, filmar, fotografar e em seguida editar um material que se tornou um precioso bem para nós. Nos anos 90, produzir um documentário como este exigia certo esforço, paciência e dedicação, sem contar que precisamos gastar muita saliva para conseguir patrocínio e reproduzir as cópias e fazer material de divulgação. Enfim, de algum modo era prazeroso ver um trabalho com aquele, nascendo com tanto afinco.
Conduzimos as filmagens, que foram realizadas na cidade de Porto Velho-RO, em Rio Branco-AC, em Guajará-Mirim, na Reserva Extrativista do Rio Ouro Preto e contou com a participação de Walteir Costa na captação de imagens e fotografia, e na parceria com Jurandir Costa e Beto Bertagna, ambos vídeo-documentaristas que nos forneceram o material fundamental para a realização deste trabalho, uma Câmera Panasonic AG 460, Formato Super-VHS e um estúdio para edição. No mesmo ano, as filmagens foram finalizadas e nasce o documentário, Mulher e seringueira.
Alejandro Bedotti, sendo um artista completo e sensível, consegue captar a essência da história, e materializa as vicissitudes de uma personagem que se estrutura em meio ao sofrimento e precariedades da vida na floresta. O vídeo é um primoroso trabalho, que demonstra de forma clássica, quase que como um passeio no tempo, a vida das mulheres nos seringais. Lançado em dezembro de 1997, no Audicine do SESC, o documentário ganha ampla repercussão e é muito elogiado pela crítica local, aparecendo em jornais da época, e sendo considerado um dos mais belos trabalhados já produzidos em Porto Velho.
O ano de 1998 foi escolhido para divulgar o documentário e, assim, o vídeo ganha troféu de Menção honrosa no I Festival Ambiental de Palm Spring - EUA, e no V Festival de vídeo de Teresina-PI, e participa ainda do Festival de Vídeos sobre Educação Ambiental, promovido pela ULAM – União Latino-Americana de Mulheres em Brasília.
A experiência, know how e sensibilidade de Alejandro Bedotti contribuíram para a produção de um trabalho que marcou a minha história e que cumpriu o seu propósito de maneira indelével.
Para Alejandro Bedotti